Você conhece os desafios de ser celíaco?
Data de Publicação: 15 de maio de 2025
Crédito da Matéria: Assessoria de Comunicação CRN-2
Fotos: Assessoria de Comunicação CRN-2
Fonte: Fabiana Magnabosco (CRN-2 18070)
A doença celíaca (DC) é uma doença autoimune, desencadeada pela ingestão de glúten em indivíduos geneticamente predispostos, especialmente aqueles portadores dos alelos HLA-DQ2 e HLA-DQ8. O glúten, presente no trigo, centeio e cevada, contém peptídeos que, ao serem desamidados pela enzima transglutaminase tecidual (tTG), tornam-se altamente imunogênicos, levando à ativação de linfócitos T e subsequente resposta inflamatória na mucosa intestinal, o que pode causar diversos sintomas em qualquer sistema do nosso corpo.
O único tratamento até o momento para a DC é a adesão rigorosa e permanente a uma dieta isenta de glúten (DIG). A exclusão do glúten da dieta leva à remissão dos sintomas e à recuperação da mucosa intestinal. O acompanhamento por profissionais de saúde, principalmente Nutricionistas, é essencial para garantir a adesão à dieta e prevenir complicações. Na DIG, além da exclusão do glúten, são necessários cuidados com a contaminação cruzada, que é a presença de glúten em alimentos naturalmente sem glúten, que pode ocorrer em qualquer etapa da cadeia produtiva, como plantio, armazenamento, produção na indústria, distribuição, e também por utensílios e superfícies onde foram manipulados alimentos com glúten.
Para termos o diagnóstico de DC, os exames realizados são os bioquímicos, como os anticorpos antitransglutaminase, antiendomísio e antigliadina deaminada, todos em classe IgA, além da imunoglobulina A total (IgA total), pois se o paciente tiver deficiência de IgA, podemos ter um falso negativo, e estes anticorpos devem ser medidos em IgG. Além dos exames bioquímicos, temos a endoscopia digestiva alta, com biópsia do intestino, coletar pelo menos 6 fragmentos do bulbo do duodeno e da segunda porção do intestino delgado.
Um lembrete: todos estes exames devem ser feitos com o paciente consumindo glúten, pois retirar o glúten é o tratamento e podemos ter resultados falsos negativos!
Além da doença celíaca, temos outras desordens relacionadas ao glúten (DRGs): dermatite herpetiforme, sensibilidade ao glúten não celíaca, ataxia do glúten e alergia ao trigo.
O que uma pessoa com doença celíaca pode e não pode comer?
Todo alimento que não tenha em sua composição trigo, centeio, cevada e aveia não certificada, e que tenha cuidados com a contaminação cruzada em toda cadeia produtiva, podem ser consumidos por pessoas com DC.
Quais cuidados a pessoa deve ter ao comer fora de casa ou comprar alimentos industrializados?
Ao comer fora de casa, a pessoa com DC deve sempre se certificar com o restaurante ou casa de amigos como foram preparados os alimentos. Chamamos de gerenciamento de riscos: perguntar quais marcas são utilizadas na produção, pedir para ler o rótulo dos produtos utilizados, perguntar se o preparo foi feito em uma superfície limpa ou com utensílios exclusivos, onde não se usa glúten, temperos utilizados, se as matérias-primas utilizadas são compradas à granel. Dependendo das respostas, sentiremos segurança ou não de consumir naquele local. Quanto aos produtos industrializados, a leitura de rótulos é fundamental: verificar a lista de ingredientes, o alerta para alérgicos e a frase “Não contém glúten”. Recomenda-se sempre realizar a leitura dos três itens citados. Quando o alimento industrializado for importado, recomenda-se a leitura do rótulo original, pois pode acontecer erros de tradução.
Como evitar deficiências nutricionais em uma dieta sem glúten?
Acompanhamento nutricional é importantíssimo para a pessoa com DC. Como a DC pode causar má absorção de diversos nutrientes, ter uma alimentação equilibrada ajuda na recuperação da mucosa intestinal com maior rapidez. A troca de alimentos com glúten por sem glúten de forma correta, orientada por um profissional, também ajuda o paciente a não ter outras deficiências nutricionais.
Existe risco de contaminação cruzada mesmo em casa? Como evitá-la?
Sim, pode existir esse risco, se na casa outras pessoas consumirem glúten sem se preocupar com a pessoa com DC. É possível viver de forma segura em um ambiente compartilhado, desde que seguindo alguns cuidados: equipamentos como torradeira, batedeira, air fryer, o ideal é que sejam de uso exclusivo, pois são mais difíceis de limpar de forma efetiva. Louças e talheres recomenda-se a separação, pode-se montar um kit com utensílios que serão utilizados para os alimentos sem glúten, por exemplo, e lavá-los com esponja exclusiva. Pastas e cremes para passar no pão devem ser de uso exclusivo, pois podem carregar partículas de pão com glúten e isso ser transferido ao pão sem glúten.
Quais são os alimentos naturalmente sem glúten que você recomenda incluir na dieta?
A dieta em si é muito particular e deve ser sempre orientada por um profissional Nutricionista. Mas, alimentos in natura e minimamente processados devem ser a maior parte dos alimentos consumidos no dia-a-dia, claro, sempre lendo os rótulos e utilizando aqueles que não contém glúten e nem contaminação cruzada por glúten.
Quem não tem a doença celíaca pode cortar completamente o glúten de sua dieta?
Sim, uma pessoa que não tem DC pode cortar completamente o glúten da dieta, mas não há necessidade médica de fazê-lo. Além disso, dietas isentas de glúten, se mal planejadas, podem ser pobres em fibras, vitaminas do complexo B e outros nutrientes, já que muitos produtos integrais contêm glúten. Muitas vezes, a pessoa que não tem DC retira o glúten e sente melhora, mas, pode estar ligado a qualidade da dieta no geral, onde a pessoa consome menos alimentos ultraprocessados e controla a quantidade de macronutrientes, como gorduras e carboidratos refinados, e não ao glúten em si. E um lembrete: não se deve retirar o glúten antes de fazer os exames para descartar ou confirmar a DC!
Referências:
AKOBENG, Anthony K. et al. Role of the gut microbiota in the pathogenesis of coeliac disease and potential therapeutic implications. European journal of nutrition, v. 59, p. 3369-3390, 2020.
AL-TOMA, Abdulbaqi et al. European Society for the Study of Coeliac Disease (ESsCD) guideline for coeliac disease and other gluten-related disorders. United European gastroenterology journal, v. 7, n. 5, p. 583-613, 2019.
VARGAS, Fabiana Magnabosco de et al. Celiac disease: Risks of cross-contamination and strategies for gluten removal in food environments. International Journal of Environmental Research and Public Health, v. 21, n. 2, p. 124, 2024.
WIESER, Herbert; KOEHLER, Peter; SCHERF, Katharina A. Chemistry of wheat gluten proteins: Qualitative composition. Cereal Chemistry, v. 100, n. 1, p. 23-35, 2023.
Fabiana Magnabosco é nutricionista (CRN-2 18070D) e bacharel em Química. Mestre pela UFRGS e doutoranda em Nutrição pela UNIFESP. Em 2014, teve o diagnóstico de doença celíaca e conta que a sua vida mudou completamente. Por isso, escolheu estudar Nutrição e a doença celíaca, para poder ajudar outras pessoas com a mesma condição. Ela também é Presidente da ACELBRA RS (Associação de Celíacos do Brasil - Seção RS), Vice-Presidente Região Sul da FENACELBRA (Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil) e Consultora da LARA UFRGS (Liga Acadêmica de Restrições Alimentares UFRGS).